O Brasil está atrasado na revolução 4.0. Mas ainda é possível recuperar o tempo perdido, desde que haja planejamento, adesão social e, sobretudo, investimento maciço em educação. É o que afirmam o ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e o diretor-geral do Senai e diretor de Educação e Tecnologia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Rafael Luchessi.
Eles foram os conferencistas da Oficina Temática da Autorreforma que debateu o renascimento criativo da indústria, nesta segunda-feira (18).
“O Brasil tem se destacado nos últimos 40 anos por uma visão de curto prazo, sem reflexão de um debate para o futuro. Vivemos numa profunda crise política, econômica, um processo de regressão socioeconômica com a volta da pobreza e da fome. A economia brasileira está se desindustrializando e, num momento em que se acirra a corrida pelas novas tecnologias, estamos perdendo massa crítica”
Rafael Luchessi
Luciano Coutinho destaca as maiores urgências do Brasil ante esse cenário.
“Além da transformação digital, são três os maiores desafios: a decisão política de descarbonização da economia; o rearranjo das cadeias globais de produção; e, mais importante, saúde, educação e inclusão social como imperativos para criar empregos de qualidade. Sem isso, as demais dimensões ficam capengas”
Luciano Coutinho
O debate foi mediado por Paulo Bracarense, integrante da Comissão de Sistematização da Autorreforma.
Desenvolvimento asiático x encolhimento do Brasil
Rafael Luchessi ressalta que durante 50 anos o Brasil teve a maior taxa de crescimento mundial liderado, justamente, pelo processo de industrialização do país.
“Assistimos aos Tigres Asiáticos pegarem a realidade brasileira como plataforma de desenvolvimento. A China inicia o século 21 com 12% do PIB americano e, agora, já está em torno de 70%”, pontua Luchessi.
No Brasil, contudo, a renda per capita tem caído o que impacta diretamente o desenvolvimento do país e amplia o fosso que existe entre a nossa realidade e a dos países desenvolvidos, avalia o economista.
Luchessi ressalta a gravidade do fato de que enquanto o mundo discute o desenvolvimento de novas tecnologias, o Brasil está de fora desse debate.
“Para um país de 213 milhões de habitantes e 8 milhões de quilômetros quadrados não há futuro sem estrutura industrial. Ela é decisiva, inclusive, para manter a estabilidade sociopolítica”
Rafael Luchessi
Para Luciano Coutinho, a indústria nacional não apenas perdeu espaço, mas corre enorme risco se não houver uma política de industrialização digital.
“É um problema grave que envolve educação, qualificação e mudança de mentalidade”, sintetiza.
Coutinho destaca ainda a acentuada fragilização da indústria entre 2014 e 2020.
“Enquanto países asiáticos aceleram o crescimento, o Brasil deixa de ser a 8ª economia do mundo para a 12ª posição com o esvaziamento adicional [da indústria] a partir de 2014 nas cadeias fornecedoras dentro de vários segmentos, como na indústria eletrônica, química, farmacêutica, têxtil”, exemplifica.
No entanto, ele se mostra esperançoso quanto ao futuro.
“Apesar de todas essas dificuldades, da grande maioria das indústrias de manufatura estarem ainda descoladas do movimento da digitalização, não devemos jogar a toalha. É possível acelerar digitalização”, prevê.
Ele cita a capacidade do Senai para desenvolver soluções eficientes com baixo custo. Desde que as empresas possam contar, também, com linhas de financiamento favoráveis e iniciativas governamentais que incentivem tais investimentos.
“É possível. Ainda dá tempo. Esta mudança, porém, requer uma mudança de mentalidade da própria liderança empresarial e alta gestão das empresas”
Luciano Coutinho
Educação na revolução industrial
Luchessi destaca a importância de a educação no país ser voltada para o trabalho.
“Educação é a base para qualquer revolução industrial. O Brasil fez revoluções industriais, mas não fez a revolução na educação. Não demos uma resposta à altura da dívida social histórica que temos. O Brasil ainda ocupa as piores posições em qualidade da educação. Sociedades até recentemente mais atrasadas que o Brasil, como a China, fizeram essa revolução educacional”
Rafael Luchessi
Para ele, o Brasil deixa a questão apenas nas mãos dos educadores.
“E não pode ser assim. Temos uma alienação no debate brasileiro. Esses elementos são de centralidade para o Brasil ser bem-sucedido no amanhã”, enfatiza.
Se o Brasil não garante educação de qualidade para a sua população, sequer discute de forma ampla a necessidade de desenvolvimento das capacidades socioemocionais das pessoas, as chamadas soft skills. No que ele acentua que não podemos pensar no século 21 com uma educação do século 20.
“A inclusão social é elemento chave de equidade com a educação como elemento de mobilidade social. Sem falar nos grandes problemas de evasão escolar que, com essa pandemia, foram profundamente agravados. E isso vai criar custos durante os próximos muitos anos. Há uma correlação clara entre melhoria educacional e crescimento do PIB. [Por isso] É um debate de país”, afirma Luchessi.
O economista critica ainda a “lógica academicista” da educação oferecida à população, onde menos de 20% dos estudantes seguem para a universidade.
“Nos países europeus, mais da metade dos jovens recebem educação regular com o ensino técnico e 43% optam pela educação técnica. No Brasil, apenas 9%. Isso é um desserviço ao país, aos jovens brasileiros e cria um enorme problema na nossa sociedade”, critica.
Papel da indústria
Para Coutinho, a indústria também é responsável por mostrar a sua importância para a sociedade porque o futuro dos empregos não será resolvido sem o “casamento virtuoso entre serviços avançados e a indústria”.
“A indústria tem que mostrar que sua contribuição para a qualidade de vida e avanço da sociedade é fundamental”
Luciano Coutinho
Evolução da tríplice hélice
Coutinho observa que o modelo da tríplice hélice, que une governos, universidades e iniciativa privada – é indispensável para a inovação no mundo. Contudo, com a evolução tecnológica, esse modelo também evolui e hoje está muito mais complexo.
“Não é simplesmente academia de um lado, empresa de outro e instituições e governos do outro. A ciência e a pesquisa requerem um grau de multidisciplinaridade muito maior. A ciência hoje está integrada em rede. A internet surgiu como uma rede científica para unificar centros de ciência dos Estados Unidos. Dentre os segmentos do mundo, a universidade foi a pioneira em compartilhar o conhecimento cientifico. Os cientistas no mundo inteiro que prezam o avanço da ciência, defendem o conhecimento cientifico como algo aberto. E as empresas começa a mudar seu modelo”, analisa.
Isso porque, nas palavras de Coutinho, as startups mudaram o paradigma de desenvolvimento, que antes estava “dentro de um departamento”.
Mudança que também é vivida por governos ao redor do mundo. Políticas que antes eram baseadas em proteção tarifária, passaram a ter uma atuação muito mais ampla, que inclui o poder de compra do Estado, que passa a ser utilizado como fonte de inovações.
“O setor público passa a investir em grandes laboratórios que fazem a diferença em criar ecossistemas mais complexos”, afirma.
Entraves do desenvolvimento
O diretor-adjunto do Senai, Sérgio Moreira, que também participou da Oficina Temática da Autorreforma, avalia que cada vez mais as grandes corporações estão cada vez mais ativas no campo da economia criativa.
Ele critica, porém, os entraves enfrentados para desenvolver tecnologias e inovações por serem “obrigadas a seguir normas de comportamento imersa numa cultura conservadora e hierárquica”.
“Além dos ambientes controlados de inovação, é preciso lembrar que esse processo, hoje, não se circunscreve numa localidade. É feita em rede”, salienta.
O coordenador do site Socialismo Criativo e membro do Diretório Nacional do PSB, o ex-deputado constituinte Domingos Leonelli, avalia a necessidade do processo de reindustrialização do país.
“Avaliamos que o Brasil precisa de uma nova revolução industrial semelhante a que Getúlio Vargas implantou. Mas, agora, precisa ser baseada nas novas tecnologias. O modo de produção no mundo se modificou e quando o modo de produção se modifica, as revoluções acontecem”, analisa.
Universidades públicas
Raíssa Rossiter, da Comissão de Sistematização da Autorreforma destacou a redução R$ 690 milhões no orçamento de ciência, tecnologia e inovação no país. Enquanto isso, o Brasil ocupa a 57ª posição no índice global de inovação. Ela destaca o esforço e desempenho das universidades públicas nesse cenário.
“Temos no Brasil orgulho de ter universidades, apesar de todo o contexto, que se situam de maneira competitiva no ranking internacional, como a USP, que está entre as 300 melhores do mundo”, pontua.
Defesa do trabalhador
Juliene Silva, integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB), analisa as mudanças já enfrentadas no mundo trabalho com o avanço da inteligência artificial e a substituição do trabalho humano em diversas funções.
Juliene Silva, integrante da direção da Juventude Socialista Brasileira (JSB), observa o desafio enorme do sistema educacional brasileiro.
“Nosso sistema educacional não incentiva a inovação, a criatividade. A médio prazo, num processo de desenvolvimento industrial futuro, como fazer a qualificação desses trabalhadores e a requalificação dos trabalhadores que perdem seus trabalhos?”, questiona. “Entendendo esse futuro possível, esse desemprego em massa, independente do contexto que se desenvolva, é preciso proteger o trabalhador”.
Plano nacional de desenvolvimento
Sinoel Batista, integrante da Comissão de Sistematização da Autorreforma, destaca os desafios de garantir que as reflexões propostas nos debates estejam em sintonia com o posicionamento do partido. E questiona sobre a formulação de um plano nacional de desenvolvimento.
Para Sérgio Moreira, não há coesão social no Brasil para colocar em prática um plano à altura dos desafios que o país precisa enfrentar.
O presidente do PSB, Carlos Siqueira, discorda. Para ele, a crise brasileira é essencialmente política e precisa ser resolvida com apoio da elite do país.
“Estou absolutamente convencido de que se não houver um plano nacional de desenvolvimento não vamos conseguir. Eu não me rendo fácil e espero que o nosso partido também [não], criando uma elite política que esteja à altura do desafio do nosso país”, finaliza.
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